sábado, 31 de março de 2012

A valsa


Antes de a primeira gota tocar o chão, já se exala pelo ar o cheiro da tempestade que se ajeita para atrapalhar os cabelos da mulher cansada que não corre e não teme a sua emancipação. Expande sobre o céu uma cor cinza e densa. O vento carrega consigo um ar gélido e implacável. Como navalhas sem corte enfrentam a pele desta insípida mulher que sente seu corpo castigado pelo curto tempo que lhe assolou, mas que impeliu sua existência em fracasso e dor. Ainda sim, esta não intimida com a tempestade que lhe afronta. Caminha furando as paredes do vento, e senta na beira da estrada vazia. Respira fundo e desliga de todo o ideal que lhe assola a cada instante e vagarosamente se inclina para o céu, e contempla a imensidão que a ameaça. A primeira gota toca a maçã de seu rosto. Pesada e fria cai feito um tapa raivoso. A vida parece ainda mais pavorosa. Os raios partem o céu a procura de um lugar para se fazer existir. O som monstruoso do trovão parece luta entre deuses Gregos. E lá está ela a contemplar a batalha, sentada no meio da arena dos gladiadores. Rapidamente a tempestade a domina e toma o seu corpo para si. E essa se transporta a um palco e se aprimora na dança de contemplação da natureza, essa mesma que a envelheceu, adoeceu, roubou-lhe a vitalidade e a beleza. E de repente a jovem de 80, caminhou nas suas lembranças e viu o passar do tempo como em uma ferrovia velha e quase que inativa, a não ser por suas lembranças turvas, cheirando a mofo.  Enquanto sua roupa encharcava e seus sapatos eram levados pela enxurrada, sentia que a liberdade fora uma farsa forjada por idealistas bêbados que morreram antes dos trinta. Mas  o desespero não pertencia aquele momento. Seu desejo era de não ter desejado, era de ter se mantido alheia a tudo que corroborou para que as exigências lhe fossem determinantes fervorosos de sua insignificante existência. Seu corpo doía por não ter mais a jovialidade de seus herdeiros, mas esse foi o momento em que de fato, viveu. Homenageando a morte e blasfemando a vida, em uma valsa sublime que contava com a natureza como par, que blefava com a hipocrisia dos que se concentravam em esquentar os pés em uma colcha velha de retalho. Assombrados pelos sons e movimentos da tempestade. 

quarta-feira, 7 de março de 2012

Finalmente o fim


Contemplando o céu na tarde quente
percebi que o fim da tarde deveria ser semelhante ao fim dos nossos dias
Suave, e pleno
Felicitaríamos os nossos amores,
bem como os pássaros fazem ao correrem para seu lar, afim de admirar o por-do-sol.
Olharia para as profundezas dos olhos do passado e evidenciaria a dádiva de ter encontrado pessoas feito anjos,
Lugares feito o paraíso
Sonhos feito nuvens densas cheias do frescor gotejante da chuva.
Cheiros que me retiraram do real.
Cores que nunca foram nomeadas...
Sentimentos jamais interpretados
Amores desarranjados
Sonos que me transportava para o infinito
E no momento do último suspiro, queria deixar a saudade para os que ficam e o conforto de termos a atitude mais sublime que poderíamos... A certeza de que a vida foi vivida, e não adiada.
Somos frágeis as mazelas do mundo, mas podemos adotar a postura de significar positivamente cada queda, cada valor desfeito, cada perda, cada pedra!
Não devo passar meus últimos dias plantada feito uma flor de jardim na cama me lamentando do que não fiz, e sim passar o tempo que me sobra, vivendo!

Páginas